terça-feira, 30 de novembro de 2010

O dia da humilhação



Não me gabo do meu português, nem escrito nem falado, e tenho pena que ele seja tão medíocre. Sou do tempo em que se faziam cópias e ditados na instrução primária. Nesses velhos tempos em que as teorias pedagógicas da modernidade ainda não faziam escola no nosso ensino, eram comuns os castigos corporais, vulgo reguadas. Por cada erro no ditado éramos chamados à vez à professora e já sabíamos, estendíamos a mão palma para cima, e aguentava-se à espera das reguadas fatais. Traz, traz!

Um dia, penso que terá sido entre a segunda e a terceira classe, fiz um ditado de tal maneira mau que tinha para cima de uma dúzia de erros. Olhei alarmada para o resultado, vexada e derrotada, enquanto aguardava que a senhora professora me chamasse para o castigo da praxe. Quando chegou a minha vez ela olhou para mim e disse: - com uma prova vergonhosa como esse ditado nem reguadas mereces -. E para minha miséria, não me bateu.

Sabe-se lá que traumas terei à conta disso, mas é verdade que sinto sempre alguma insegurança nestes terrenos da escrita, por isso longe de mim apontar o dedo seja a quem for. Mas arregalam-se-me os olhos cada vez que vejo escrito, cada vez com mais frequência, comer-mos, lavar-mos…(and so on), por aí adiante .
Ai tanta reguada a fazer falta por aí….

À espreita do Inverno...

A Neve

A Neve pôs uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Embrulho-me num cobertor e não penso sequer em pensar.
Sinto um gozo animal e vagamente penso,
E adormeço sem menos utilidade que todas as ações do mundo.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

"Frankenstein is in the room"


 "A seita reduziu a política a uma impotência colectiva. A seita é inimputável. A seita tem no topo génios da matemática e das melhores universidades e business schools, apoiados numa industria de lobbying que faz com que existam cinco lobbyist pagos para cada membro do Congressos americano. A seita sabe que ninguém sabe de que é que eles falam, o que lhes permite continuar a fazer aquilo que fazem sem regra nem escrutínio. E com bonificações totalmente desproporcionadas. A seita sabe que especular, apostar contra a perda e a economia, pode fazer enriquecer. A seita não quer saber das fábricas fechadas, dos desempregados, dos contribuintes, dos sem-abrigo. Para melhor se defender, a seita nomeou os seus salvadores e sacerdotes e um homem inteligente como Obama nomeou para resgatar a economia americana alguns dos responsáveis pela falência e a dívida americanas. No mundo financeiro há muitos críticos da seita. Alguns, como Nouriel Roubini, previram a catástrofe"

Clara Ferreira Alves,  sobre o filme "A verdade da Crise" "Inside Job", Revista Única

domingo, 28 de novembro de 2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Exercício Espíritual

"Naniora" 1960

É Preciso dizer Rosa em vez de dizer ideia
é preciso dizer azul em vez de dizer pantera
é preciso dizer febre em vez de dizer inocência
é preciso dizer o mundo em vez de dizer um homem

É preciso dizer candelabro em vez de dizer arcano
é preciso dizer Para Sempre em vez de dizer Agora
é preciso dizer O Dia em vez de dizer Um Ano
é preciso dizer Maria em vez de dizer aurora

Mário Césariny
(9 Agosto 1923 - 26 Novembro 2006)

Inside job



Não percam o filme. E preparem-se para sair de lá com cara de otário. Eu até dormi mal.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Misérias


Agora são as idosas com mais de 60 anos. Mais uma face oculta das nossas misérias.

Português técnico



Já não suporto ouvir falar de alavancagem,  desalavancagem, agências de rating, resgate, mercados, dívida soberana, e outros quejandos que agora não me ocorrem.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Pois...o balanço

 

A disparidade de números, não é novidade.

Vivo e trabalho em Oeiras. Não sendo funcionária pública nem trabalhando no sector empresarial do Estado, o dia decorreu com toda a normalidade. Passei pelo centro comercial. Tudo funcionava comme d'habitude, o hipermercado abarrotava com os funcionários públicos que fizeram greve, e as lojas conheciam a animação  da época natalícia. Dei uma volta pela vila, Tagus Park e Lagoas Park. A vida corria na sua mansidão habitual.

Admitir esta  realidade sombria é doloroso. As duas centrais sindicais não vão além da tradicional mobilização dos  funcionários públicos, em particular os professores que aderiram em massa, transportes e serviços de saúde. O difícil seria não serem mobilizados, numa altura em que sofrem um ataque brutal às suas condições de vida. Posto isto pergunta-se, e o resto do país?
Estamos mal.

Data


Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negação

Tempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidão

Tempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça

Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto

Hoje

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Amanhã





Martha Telles

 
Le Cadeau, Martha Telles, 1980, Col. Centro de Arte Moderna da F.C. Gulbenkian

"A filha de Martha nasceu aí,[Santa Marta de Penaguião] e ela tinha dezasseis anos. Os partos eram caseiros nesse tempo, e um médico bisonho e leal segurava a mão da mãe em perspectiva, dando-lhe alento sem deixar que ela abusasse dos mimos; porque o parto queria-se austero e não caprichoso."

"Nada é mais humilhante do que ter de pagar demais por falta de suficiente."

Agustina Bessa Luís, in Martha Telles - O castelo onde irás e não voltarás

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Sem título


"O meu pai tinha sido ferido e torturado e pediu-me para fazer as malas antes de partirmos. como se faz a mala de um homem quando se é uma rapariguinha de 15 anos? O que é que se põe lá dentro? (Pausa) Sabe o que levei na minha mala? O meu tesouro. A camisa de noite de núpcias que a minha mãe tinha comprado para o meu casamento e de que eu não me queria separar. Parti para Auschwitz com uma camisa de núpcias, magnifica, em cetim branco."

Todos os dias tinha um pânico tão grande de ir para as câmaras de gás! E todos os dias a chaminés ardiam. Quando chegámos, perguntávamos às mulheres que lá estavam há mais tempo: "Onde estão as outras?" Elas apontavam para as chamas e diziam "Partiram ao comando do céu" Demorei algum tempo a perceber".

"Fui recebida no cais por um tio, também ele tinha estado em Birkenau, e a primeira coisa que disse foi: "Não lhes contes nada. Eles não percebem nada do que se passou".

"Nunca quis ter filhos. Durante anos não suportava bebés. Vi demasiadas crianças morrer".

Excertos da entrevista de Marceline Loridan-Ivens, sobrevivente de Auschwitz, cineasta, à Revista Única

domingo, 21 de novembro de 2010