sexta-feira, 14 de junho de 2013

Isto é uma guerra




"O relatório do FMI ontem apresentado estabeleceu uma nova "linha vermelha". Ao anunciar, ao contrário do que tinha feito Passos Coelho na famosa carta à troika de 3 de Maio, que os cortes de 4,7 mil milhões vão ser feitos em dois anos e não em três, o FMI desmente o governo de Portugal e impõe uma dose cavalar - e insustentável - de austeridade em cima da já existente. O relatório do FMI é a sentença de morte do Estado social, é uma ordem de destruição da classe média, a implosão do funcionalismo público e um ataque sem precedentes aos reformados do Estado que sustentam neste momento os filhos desempregados. Tudo isto vai agravar ainda mais os níveis de desemprego e levar o que resta da economia para o poço. Infelizmente, para o FMI essa recessão é bem-vinda - porque ajuda a equilibrar a balança de pagamentos. Quanto aos efeitos colaterais, como a destruição da economia - não só nacional como europeia - e o desemprego em massa são habilidosamente esquecidos neste relatório.
Mas preparemo-nos para daqui a um ano aparecer um novo relatório, em que um técnico do FMI de elevado gabarito condenará o excesso de austeridade imposto a Portugal, como recentemente aconteceu em relação à Grécia - mas já muitos milhares de empregos se terão entretanto perdido, muitas empresas terão fechado e Portugal terá perdido, como a Grécia já perdeu, o estatuto de "país desenvolvido" para passar a ser um território "em vias de de- senvolvimento", como era nos anos 70.
O FMI tenta, dia sim, dia não, aparecer como o bonzinho da troika. Na entrevista à SIC, o Presidente da República defendeu que o FMI saísse da troika, porque tem interesses diferentes dos países europeus (na prática, quem manda no FMI são os Estados Unidos). A questão é que, no essencial, a receita do FMI é idêntica à da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. O Tratado Orçamental - que o FMI vem aconselhar o governo a invocar para tentar fintar as declarações de inconstitucionalidade, é a obra mais estúpida que os europeus fizeram em plena crise do euro. E, infelizmente, teve o acordo das duas maiores famílias políticas que compõem a Europa - partidos de direita e socialistas. É estranho ver socialistas a impedir políticas expansionistas, mas aconteceu. Amarrada a um tratado orçamental que pede o défice zero (incumprível) e a receitas recessivas, a Europa caminha para o abismo económico, a que se segue o político. Isto é uma guerra."

Ana Sá Lopes, "Se isto não é uma linha vermelha", jornal i


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