"O
relatório do FMI ontem apresentado estabeleceu uma nova "linha
vermelha". Ao anunciar, ao contrário do que tinha feito Passos Coelho na
famosa carta à troika de 3 de Maio, que os cortes de 4,7 mil
milhões vão ser feitos em dois anos e não em três, o FMI desmente o
governo de Portugal e impõe uma dose cavalar - e insustentável - de
austeridade em cima da já existente. O relatório do FMI é a sentença de
morte do Estado social, é uma ordem de destruição da classe média, a
implosão do funcionalismo público e um ataque sem precedentes aos
reformados do Estado que sustentam neste momento os filhos
desempregados. Tudo isto vai agravar ainda mais os níveis de desemprego e
levar o que resta da economia para o poço. Infelizmente, para o FMI
essa recessão é bem-vinda - porque ajuda a equilibrar a balança de
pagamentos. Quanto aos efeitos colaterais, como a destruição da economia
- não só nacional como europeia - e o desemprego em massa são
habilidosamente esquecidos neste relatório.
Mas preparemo-nos para
daqui a um ano aparecer um novo relatório, em que um técnico do FMI de
elevado gabarito condenará o excesso de austeridade imposto a Portugal,
como recentemente aconteceu em relação à Grécia - mas já muitos milhares
de empregos se terão entretanto perdido, muitas empresas terão fechado e
Portugal terá perdido, como a Grécia já perdeu, o estatuto de "país
desenvolvido" para passar a ser um território "em vias de de-
senvolvimento", como era nos anos 70.
O FMI tenta, dia sim, dia
não, aparecer como o bonzinho da troika. Na entrevista à SIC, o
Presidente da República defendeu que o FMI saísse da troika, porque tem
interesses diferentes dos países europeus (na prática, quem manda no FMI
são os Estados Unidos). A questão é que, no essencial, a receita do FMI
é idêntica à da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. O Tratado
Orçamental - que o FMI vem aconselhar o governo a invocar para tentar
fintar as declarações de inconstitucionalidade, é a obra mais estúpida
que os europeus fizeram em plena crise do euro. E, infelizmente, teve o
acordo das duas maiores famílias políticas que compõem a Europa -
partidos de direita e socialistas. É estranho ver socialistas a impedir
políticas expansionistas, mas aconteceu. Amarrada a um tratado
orçamental que pede o défice zero (incumprível) e a receitas recessivas,
a Europa caminha para o abismo económico, a que se segue o político.
Isto é uma guerra."
Ana Sá Lopes, "Se isto não é uma linha vermelha", jornal i
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