quarta-feira, 23 de novembro de 2011

"Estamos sob ocupação estrangeira"




"Greve geral necessária para despertar consciências e resistir ao "retrocesso social e civílizacional"
- Não acha que os sindicatos devem ser mais activos na apresentação de soluções concretas em vez de serem apenas reivindicativos?
- Os sindicatos têm propostas concretas, o problema é que não se enquadram nos catecismos dos poderes dominantes. Propomos que se considere uma nova forma de distribuir a riqueza, o combate à economia clandestina, não deixar que o económico e o financeiro se sobreponham ao político e valorizar o trabalho. Não esperem que os trabalhadores cujo trabalho não é valorizado reajam positivamente.
- Portugal deve continuar no euro?
- O euro não vai continuar como até aqui. Vai haver uma só moeda ou mais do que uma? Vão manter-se todos os países ou alguns serão empurrados para fora? Em Abril do ano passado disse que países pequenos como o nosso, se forem empurrados do euro podem ficar, em termos sociais, sob pressões idênticas à saída de uma guerra...
- Continua a pensar o mesmo?
- Agora estamos pior um pedaço. Neste retrocesso social e civilizacional, em termos de retribuição, os trabalhadores estão a ter, em dois anos, uma quebra da ordem dos 30%. Não é que eu defenda a saída do euro, mas quando o João Ferreira do Amaral e outros economistas propunham uma saída negociada estimava-se uma queda de 40%. Ou seja, não saindo do euro já estamos nesse caminho de perda. Precisamos de um grande debate para saber onde estamos. Não temos de empobrecer, temos é de encontrar caminhos de saída.
- A nossa margem de manobra está condicionada pelo memorando de entendimento com a troika?
- Uma das coisas que queremos com a greve geral é despertar a sociedade para que apresente propostas e faça observações sobre a realidade concreta que estamos a viver.
- O objectivo da greve é não só manifestar a indignação mas também suscitar um debate nacional?
- Sim. Não há soluções sem acção colectiva. Temos de espoletar na sociedade vontades que tirem as pessoas do conformismo. Um dos grandes dramas da sociedade é que a integração europeia começou com conceitos de coesão, solidariedade entre os povos, respeito pela soberania e valores dos povos e harmonização social no progresso. Aderimos a um projecto europeu que nos prometia ir para o clube dos ricos. Só isto justifica que tenhamos admitido passivamente a destruição do sector produtivo.
- Preocupa-o a perda de soberania?
- Claro. A ideia do dinheiro fácil, explorada até à exaustão pelo sector financeiro, desvalorizava o trabalho e a responsabilidade. O país perdeu o sentido da soberania. Por isso, esta greve é também por Portugal. Estamos sob ocupação. Noutro contexto histórico não teríamos apenas um governo estrangeiro mas também tropas. Mas, cuidado, os descalabros da sociedade às vezes levam a coisas inesperadas....
- Teme, por exemplo, um golpe militar, como sugeriu Otelo?
- Não, não, de tontarias já chega! Até porque os golpes militares não se fazem por anúncio. A determinante vai ser a vontade, capacidade e responsabilidade do povo. O que não é caminho é aceitar a inevitabilidade ou a assunção do empobrecimento como solução estratégica de futuro. Em última instância, a soberania está nas mãos do povo.
- Concorda com António José Seguro quando adia inevitável que a Europa siga no sentido do federalismo?
- É inviável. É uma ingenuidade o secretário-geral do PS dizer isso. Mesmo que o caminho fosse esse, não é exequível. O poder efectivo é o financeiro e económico. Como diz o João Ferreira do Amaral, o euro acabou por ser o principal instrumento de destruição do Estado social europeu. Além disso, a Europa está politicamente unipolar, a social democracia foi varrida. Quem domina são as forças conservadoras, nalguns países em coligação com a Extrema-Direita. Falar do projecto europeu como se tudo estivesse na mesma é um desastre. A posição de Seguro não tem sustentabilidade, para não usar outra catalogação.
- Se fosse deputado votava contra o Orçamento para 2012?
- Inevitavelmente. Se não o fizesse era sinal que tinha ensandecido. Há uma montanha de loucuras e actos de malvadez neste Orçamento, estruturado no pressuposto de que seguir as políticas da União Europeia é a saída para a crise. O Durão Barroso foi ao Parlamento Europeu dizer que a crise da UE é sistémica e a situação é insustentável - e nós estamos a adoptar as piores receitas seguidas na Grécia. É um drama. É por isso que é premente mobilizar as forças sociais, políticas e a consciência dos portugueses para agir contra a tontaria do empobrecimento.
- Não teme que a situação resvale para o caos que se vive na Grécia?
- O que eu temo é que não haja mobilização dos portugueses. Se a sociedade não se mobilizar, temo que esta loucura e tontaria de políticas leve a situações de ditadura ou de rupturas sociais violentas. Todo o sacrifício é necessário quando estão em causa valores como a dignidade, a justiça e a democracia. É precisa uma intervenção social fortíssima e isso não impede algumas acções que sejam duras.
- Defina duras.
- Dou o exemplo da tentativa de aumento do horário de trabalho em duas horas e meia por semana Todas as formas de luta que os trabalhadores encontrarem para não se sujeitarem a esse trabalho forçado têm mais sustentação legal do que a que o Governo para o tentar impor. Sobre isso não tenho dúvidas.
- Aceita a redução dos feriados?
- Chocou-me ouvir o cardeal-patriarca dizer em nome da Igreja: nós abdicamos de dois feriados se o Estado abdicar de dois feriados civis. Alto lá! Os feriados são direitos das pessoas, não são propriedade nem da Igreja nem do Estado. Só uma discussão com os portugueses sobre a validade dos argumentos pode retirar esses direitos. O mesmo se passa com os deveres. Senão os portugueses também têm o direito de não cumprir os deveres.
- O aumento do horário de trabalho, corte de subsídios, salários e feriados. As medidas sucedem-se a um ritmo tal que a mobilização social para o debate pode não chegar a tempo de as obstar.
- Vai haver tempo, não acredito que o país vá desaparecer. Os portugueses serão capazes de defender a soberania, Portugal continuará como nação e havendo seres humanos há sempre saída O limite da resistência é definido pela própria Constituição. Nós também temos direito à indignação.
- Que limites vê para a indignação?
- Em reacção ao horário de trabalho, digo aos trabalhadores que sejam suficientemente imaginativos porquevão ter de ser. Se demorarem mais tempo vão perder mais. Não nos esqueçamos dos 48 anos de fascismo. Haver distracções é uma chatice. Se for necessária resistência física forte para evitar o trabalho forçado acho que o devemos fazer. O tempo é o bem social mais importante depois da saúde.
- É a sua 5ª greve geral. Quase todas contra a liberalização de uma lei laboral que está cada vez mais liberal. Não se sente frustrado?
- Não. Pertenço a uma geração que, quando olha para o percurso desde a infância, só tem razão para um enorme sorriso e dizer isto mudou tanto e tão positivamente. Não esqueçamos o que era a mortalidade infantil, as condições de vida, casas de terra batida.. As pessoas trabalhavam imenso a troco de um subsídio de subsistência. O trabalho para toda a vida era uma treta. Depois, criou-se a valorização pelo salário, a valorização do emprego. Foi-se evoluindo. Agora, vivemos uma fase de tentativa de retrocesso social e civilizacional. Não podemos fazer comparações simplistas. Nas crises de 1978 e 1983 houve perda salarial mas o Estado social progredia Agora, estamos num retrocesso. O Estado social está a ser estilhaçado. É preciso resistir."

Entrevista de Carvalho da Silva ao Jornal de Notícias

2 comentários:

  1. Ariel
    Lidei de perto com Carvalho da Silva, bem como com outros Sindicalistas. Sou crítico em relação aos dirigentes eleitos ainda jovens, só sairem dos sindicatos quando são reformados. Penso que a burocratização e o longo tempo de ausência dos seus postos de trabalho os faz deixar de sentir o pulsar das classes que representam.
    No entanto há sempre a excepção. Manuel Carvalho da Silva mostrou que é hoje uma das pessoas mais lúcidas no nosso País. A sua capacidade de discernimento e análise sobre os reais problemas do País e do Mundo mostram merecer o respeito que sobre ele têm vastos sectores da nossa sociedade.
    Abraço

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