quarta-feira, 9 de maio de 2012

Há dias assim...




Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam


e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício


Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós


e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição


Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor


E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos conosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o
amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita


Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny, You are welcome to Elsinore,  in Pena Capital, 1957

1 comentário:

  1. "Ao longo da muralha que habitamos
    há palavras de vida há palavras de morte
    há palavras imensas, que esperam por nós


    e outras, frágeis, que deixaram de esperar
    há palavras acesas como barcos
    e há palavras homens, palavras que guardam
    o seu segredo e a sua posição"

    Há muito que o não lia...
    Obrigado por mo ter dado

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