quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Lisbon Revisited

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com  conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me
             enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)-
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da
               técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer
                  cousa?

Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a 
                   vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que haveremos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou só sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul - o mesmo da minha infância -
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo.
Pequena verdade onde o céu se reflecte!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me
              sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar
              sozinho!

Álvaro de Campos

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