Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espectáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
Carlos Drummond de Andrade 31-10-1902/17-08-1987
RÉPLICA DE VÁRIOS POETAS
ResponderEliminarAs mãos que erguem o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo após absoluta depuração.
Tempo em que se volta a dizer: meu amor.
Porque o amor renasceu mais útil.
E os olhos já não choram.
E as mãos tecem um novo trabalho.
E o coração perdeu a secura.
As mulheres batem-me à porta, tu abrirás.
Ficaste envolvido, a luz projecta-se
Mas, tal como na sombra, teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já reaprendeste a sofrer.
E voltaste a acreditar na amizade.
A velhice já pode chegar, que é a velhice?
Tuas mãos erguem o mundo
e ele, pesando, pula e avança
parecendo uma bola colorida
entre as mãos de uma criança.
(Que Carlos Drummond de Andrade me perdoe e Gedeão não se ofenda)
Muito bem Rogério, sem dúvida que a sua réplica é bastante mais animadora, parece-me que as duas podem coexistir sem conflito.
ResponderEliminar:)))
A velhice também é sabedoria, a idade em que, como dizia Miguel Ângelo, percebemos que já estamos maduros para finalmente fazermos as coisas bem feitas.
ResponderEliminarÉ verdade que é sabedoria, Carlos, quanto a finalmente se fazer as coisas bem feitas, isso depende, há quem tente nunca acerte, há quem nunca, sequer, tente e há uma muito pequena fracção que finalmente as consegue fazer bem feitas.
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