domingo, 10 de março de 2013

O vazio insuportável



"Tem sido notado que o elemento mais surpreendente da manifestação do passado sábado foi o seu lado quase lúgubre. Durante longos momentos  enquanto desciam a Avenida  da Liberdade em Lisboa, milhares de pessoas caminhavam num passo pesaroso, sem o acompanhamento das palavras de ordem que tendem a surgir nestes momentos."
[...]
"Ainda assim, podíamos esperar uma revolta com algum tipo de expressão mais violenta, mesmo que apenas verbal. De algum modo, a rejeição profunda do estado de coisas combinada com ausência de alternativa visível podia encontrar escape numa espécie de baixo materialismo"[...] "Mas não, o mal-estar difuso, a indignação grisalha, encontrou refúgio num comportamento anómico.
Talvez esse seja um dos aspectos preocupantes da actual situação. Há demasiados sinais do que Durkheim chamou de anomia. Em "O Suicídio", para explicar causas não individuais do suicídio, o sociólogo francês destacava o papel dos laços comunitários como factores de integração individual, através de mecanismos de solidariedade orgânica, que contrariavam a tendência para o suicídio como resposta a acontecimentos negativos na vida de um indivíduo. Anomia correspondia, precisamente, a condições nas quais se assistia a uma quebra dos laços sociais entre um indivíduo e a sua comunidade.
Podemos bem estar a viver o início de um longo período onde a inércia social e política podem ganhar força. Faz sentido: estamos a assistir a uma mudança súbita da nossa condição económica, acompanhada por uma descoincidência quer entre os valores sociais e as aspirações individuais quer entre as proposições políticas e a existência quotidiana dos indivíduos."

Pedro Adão e Silva, A Maioria Silenciosa, Expresso

2 comentários:

  1. Só que, Querida Ariel, a infirmação das passibilidades não depende do número, começa muitas vezes por ser iniciativa de minorias, e, não poucas, de indivíduos isolados. E a bola de neve das respostas violentas, frequentemente, engrossa a partir daí.

    Beijinho

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  2. talvez depois do silêncio venha uma fase mais ruidosa e turbulenta. Tudo parece encaminhar-se nesse sentido...

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