segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Solilóquios (21)

Com papas e bolos se enganam os tolos.

Um quer encerrá-las, o outro privatizá-las. E o senhor ouvinte , o quê que acha?

O silêncio


 "Foi então que se ouviu o grito.
Um longo grito agudo, desmedido. Um grito que atravessava as paredes, as portas, a sala, ramos do cedro.
Joana virou-se na janela. Houve uma pausa. Um pequeno momento imóvel, suspenso, hesitante. Mas logo novos gritos se ergueram, trespassando a noite. Estavam a gritar na rua, do outro lado da casa. Era uma voz de mulher. Uma voz nua, desgarrada, solitária. Uma voz que de grito em grito se ia deformando, desfigurando até ficar transformada em uivo. Uivo rouco e cego. Depois a voz enfraqueceu, baixou, tomou um ritmo de soluço, um tom de lamentação. Mas logo voltou a crescer, com fúria, raiva, desespero, violência.
Na paz da noite, de cima a baixo, os gritos abriram uma grande fenda, uma ferida. E assim como a água começa a invadir o interior enxuto quando se abre um rombo no casco de um navio, assim agora, pela fenda que os gritos tinham aberto, o terror, a desordem, a divisão, o pânico penetravam no interior da casa, do mundo, da noite."
Excerto de "O Silêncio", Sophia de Mello Breyner Andresen, Histórias da Terra e do Mar

domingo, 30 de janeiro de 2011

Porque hoje é domigo

 


"São frequentemente retratados (e não apenas em quadros baratos ou em bilhetes-postais) pescadores de rostos burilados pelas chuvas e pelo sol, pelo vento e pelas ondas, mas quase nunca se lhes mostram as mãos, endurecidas pelo sal e pelas redes, pelos cabos e pelos remos. Os pescadores praguejam mas não roubam. Exaltam-se e discutem (acerca do mau tempo, de uma pesca infeliz ou de uma ajuda desajeitada), mas não chegam a vias de facto: não jogam à pancada como acontece de vez em quando com os operários do porto ou com gente de terra. Também entre eles há diferendos (de que lado ou em que local lançar as redes, como ou quando levantá-las), que porém estão longe de ser tão numerosos como os que estalam a respeito da propriedade da terra: é mais fácil partilhar o mar que a terra, e mais difícil possuí-lo. Cada pesca lembra outra, anterior, que vivemos ou que nos contaram: há muito que se pesca no Mediterrâneo."
Excerto do Breviário Mediterrânico, de Predrag Matvejevitch

Um bom domingo para todos!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Porque hoje é sábado



Com Peggy Lee e este "swingante" Why don't you do right  desejo a todos um excelente fim de semana.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Futebolês



Isto só pode ser uma maldição...

[Para além do meu Glorioso Benfica, não percebo patavina dos meandros do futebolês, sucede é que já não suporto a criatura.]

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Não sei se ria se chore


Portanto, está-se mesmo a ver que, a culpa é do Governo..., uff, já não morre solteira.

Wolfgang


Nasceu em 27 de Janeiro de 1756 em Salzburgo, o grande Wolfgang Amadeus Mozart. No dia do aniversário do seu nascimento aqui fica o registo de Itzhak Perlman e a Orquestra Filarmónica de Israel,  neste belissimo Adagio para Violino e Orquestra.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Ou há moral ou comem todos!



A propósito desta bagunça ... transcrevo parte da sensata crónica do Fernando Madrinha no Expresso. Os sublinhados são meus. Só não percebe quem não quer perceber.

"As escolas públicas são financiadas pelo Estado e as privadas pelos alunos, ou por alguma entidade particular que entenda fazê-lo. Verdade? Não. Em Portugal temos escolas públicas, privadas e público.privadas, isto é, as privadas que o Estado subsidia para que os alunos as frequentem sem pagar.

O argumento para a subsidiação destas escolas é o de que elas funcionam  lá onde não chega a escola pública. Tal argumento não colhe, ou não devia colher, porque há muitos lugares no país onde não existem escolas públicas e o que os alunos fazem é deslocar-se para frequentar a mais próxima. Com a generalização dos agrupamentos de escolas são, aliás, cada vez menos aqueles que não precisam de se deslocar.

......até o Presidente da Republica abraçou a causa destas escolas, na maioria ligadas à Igreja, que agora protestam porque o Governo lhes reduziu os subsídios.

[olha olha o maganão...] 
...
Compreende-se que pais, alunos e professores destas escolas defendam com afinco o tratamento especial que o Estado lhe tem concedido. Duvida-se é que esse tratamento seja o mais correcto, à luz da equidade a que o mesmo Estado se deve obrigar".

Estou fartinha de gentinha como este Luis Marinho, que tem o topete de vir reclamar mais para si do que é reservado à maioria, quem é que eles julgam que são? Era o que mais faltava, e logo num  momento de forte aperto orçamental, os meus impostos andarem a financiar o ensino privado em vez de serem aplicados no investimento da qualidade da escola pública. Depois o ouvir falar na TV, com uma arrogância e insolência inauditas , ainda mais esclarecida fiquei acerca do perfil deste maganão, e da gente que o acompanha. Devem pensar que a malta é toda uma cambada de mansos que estão para lhe aturar as diatribes elitistas, e que lhe vão oferecer de mão beijada aquilo que não têm sequer para si.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Leituras


"Fiquei ao pé da cama, a vê-la cirandar em redor da cama. Quando se abaixava voltada para mim, os seios pendiam-lhe redondos. De costas para mim, o vestido esticava-se-lhe nas nádegas. Encostei-me a ela. Não se desviou, enquanto entalava a roupa na cama. Depois, saiu do encosto, e foi entalar a roupa do outro lado. Daí, olhou para mim. Dei a volta e, como quem não quer a coisa, empurrei a porta. Mas a vassoura atravessou-se  e tive de a desviar.  Ela continuou abaixada, entalando a roupa, e eu tornei a encostar-me. Não se afastou, nem se endireitou. Dobrei-me por cima dela e agarrei-lhe os seios. Ficou imóvel. Empurrei-a para cima da cama, e ela, em silêncio, lutou comigo por honra da firma. Mas não me deixou penetrá-la. E, depois, pegou em roupa suja minha, que estava no chão, e limpou-se, e às minhas calças. Ajustou o vestido, abriu a porta, e saiu com essa roupa na mão. Voltou da casa de banho com ela humedecida, e limpou-me cuidadosamente, sentada na cama. No fim, olhou para as calças, levantou os olhos para mim, e disse: - Vão precisar de ser lavadas - e riu. Era feia de cara, com a boca grosseira e o nariz achatado. Segurei-lhe no queixo. - Largue-me -. - Logo à noite?-. -Não, que o senhor desgraça-me -.- Não te desgraço, prometo -.- Promete que é só brincadeira? -. - Prometo -.- Depois que o senhor vier, e estiverem todos deitados eu subo. E agora tenho de ir senão desconfiam -. E, agarrando na roupa suja, no pano do pó, que foi buscar à mesa, e na vassoura, saiu."

Jorge de Sena, in Sinais de Fogo, Edições Asa pag 203/204

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Fim de festa



Manuel Alegre, foi igual a ele próprio, com um  digno discurso de derrota.

Igual a ele próprio foi também Cavaco Silva, pequenino e mesquinho no  triste e ressentido discurso de vitória.

A "vitória" de Nobre serviu a quem?

Bem, agora é que vamos ver como elas cantam e dançam....


Sergio Godinho, O primeiro dia

domingo, 23 de janeiro de 2011

Triste balanço



Sublinhados meus.

.... o saldo positivo que resulta desta campanha é o fim do mito Cavaco, como personalidade política apolítica, como individualidade acima de qualquer suspeita e relativamente à qual nem sequer havia a ousadia de a ligar a algo que fosse menos recomendável ou digno, e ainda a sua confirmação como político demagógico e limitado, incoerente e incapaz de compreender os grandes desafios que se põem ao futuro de Portugal, realidade excessivamente ilustrada pela repetição de banais lugares comuns que apenas atestam as suas limitações!

J.M. Correia Pinto, Politeia,  O Balanço da Campanha

"Como se viu ao longo destas semanas, sem o manto protector do cargo de Presidente, Cavaco Silva revelou todas as suas fragilidades: a incapacidade de diálogo; o desconforto face ao escrutínio público; um conservadorismo serôdio nos temas dos costumes que o afasta dos portugueses de hoje; uma visão paroquial sobre o mundo que o inibe de ter um discurso sobre a crise da zona euro; a tentativa sistemática de se colocar acima de uma classe política de que faz parte e de que é hoje o membro no activo há mais tempo; e, finalmente, o modo sonso como lida com os seu próprio actos. Que passados quase dois anos ainda toleremos passivamente a "inventona" das escutas, diz muito sobre o escrutínio a que Cavaco Silva tem sido sujeito".

Pedro Adão e Silva, Expresso


Portanto é este personagem indigno do cargo que os portugueses, sem pestanejar, acabam de reeleger por mais cinco anos  à frente das mais altas funções do Estado e da Nação. Podem limpar os mãos à parede.

Porque hoje é domigo



Que a musica seja inspiradora. Estou meia febril, mas para dizer Cavaco Não!, vou até arrastada.

Um bom domingo para todos.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Porque hoje é sábado



Este blogue não necessita de período de reflexão para dizer, Cavaco Não!

Um bom fim de semana para todos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Tomar partido!

Uma casinha na Coelha



"De seguro apenas uma certeza: após a passagem de Cavaco Silva por São Bento negócios e política nunca mais voltaram a ser o que eram antes. É a vida!"

JM Correia Pinto no Politeia, a terminar uma série de posts sobre a novela  da casa na Coelha 

De leitura obrigátória.

Auto da Lusitânia



Entra Todo o Mundo, rico mercador, e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu; e logo após, um homem, vestido como pobre. Este se chama Ninguém e diz:

Ninguém: Que andas tu aí buscando?

Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
                         delas não posso achar,
                         porém ando porfiando
                         por quão bom é porfiar.

Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?

Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
                         e meu tempo todo inteiro
                         sempre é buscar dinheiro
                         e sempre nisto me fundo.

Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
               e busco a consciência.

Belzebu: Esta é boa experiência:
             Dinato, escreve isto bem.

Dinato: Que escreverei, companheiro?

Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
              e Todo o Mundo dinheiro.

Ninguém: E agora que buscas lá?

Todo o Mundo: Busco honra muito grande.

Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
               que tope com ela já.

Belzebu: Outra adição nos acude:
              escreve logo aí, a fundo,
              que busca honra Todo o Mundo
              e Ninguém busca virtude.

Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?

Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
                         tudo quanto eu fizesse.

Ninguém: E eu quem me repreendesse
               em cada cousa que errasse.

Belzebu: Escreve mais.

Dinato: Que tens sabido?

Belzebu: Que quer em extremo grado
              Todo o Mundo ser louvado,
              e Ninguém ser repreendido.

Ninguém: Buscas mais, amigo meu?

Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.

Ninguém: A vida não sei que é,
               a morte conheço eu.

Belzebu: Escreve lá outra sorte.

Dinato: Que sorte?

Belzebu: Muito garrida:
              Todo o Mundo busca a vida
              e Ninguém conhece a morte.

Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
                         sem mo Ninguém estorvar.

Ninguém: E eu ponho-me a pagar
               quanto devo para isso.

Belzebu: Escreve com muito aviso.

Dinato: Que escreverei?

Belzebu: Escreve
              que Todo o Mundo quer paraíso
              e Ninguém paga o que deve.

Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
                         e mentir nasceu comigo.

Ninguém: Eu sempre verdade digo
               sem nunca me desviar.

Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
              não sejas tu preguiçoso.

Dinato: Quê?

Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
              E Ninguém diz a verdade.

Ninguém: Que mais buscas?

Todo o Mundo: Lisonjear.

Ninguém: Eu sou todo desengano.

Belzebu: Escreve, ande lá, mano.

Dinato: Que me mandas assentar?

Belzebu: Põe aí mui declarado,
              não te fique no tinteiro:
              Todo o Mundo é lisonjeiro,
              e Ninguém desenganado.


Gil Vicente, 1531
representado pela primeira vez em 1532, 
perante a corte de D. João III quando nasceu seu filho, D. Manuel.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Uma ameaça conveniente



À falta de uma Marinha Grande, uma ameça conveniente. Quem sabe nunca esquece...

Riso.... amarelo


Portanto a oeste nada de novo. Segundo rezam os peritos das sondagens, a malta prepara-se para repetir a dose. Olhando para os vários tesourinhos deprimentes desta campanha estou a lembrar-me de um homem que com ar congestionado gritava "Cavaco és o  nosso deus!". Aposto que faz parte dos expressivos 46% dos portugueses que com ar carrancudo consideram que antes do 25 de Abril se vivia melhor....

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Delito, disse ela...


Sem saber nem escrever,  como dizia a minha avó, hoje tive honras de passadeira vermelha no Delito de Opinião.  Ao magnânimo Pedro Correia e a todos os delituosos agradeço a paciência.

As Frágeis Hastes


As Frágeis Hastes

Não voltarei à fonte dos teus flancos
ao fogo espesso do verão
a escorrer infatigável
dos espelhos, não voltarei.

Não voltarei ao leito breve
onde quebrámos uma a uma
todas as frágeis
hastes do amor.

Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas águas
em febre em fúria em fogo
arrastam-me para o fundo.

in "Obscuro Domínio"

Eugénio de Andrade, Póvoa de Atalaia, 19 de Janeiro de 1923.